Economia & Política -
19/04/2005 14:45
GEOGRAFIA
Criação de novos Estados vai piorar representatividade, com alto impacto orçamentário
e ambiental, diz pesquisador
Fabio de Castro / USP Online
O Congresso Nacional tem planos para mudar o mapa do
Brasil. Tramitam atualmente no Legislativo mais de 15 projetos para a criação
de novos Estados. Se forem aprovados, os projetos poderão representar uma
drenagem de dinheiro público em proporções astronômicas, um impacto
ambiental incalculável e um agravamento do desequilíbrio da representação
das unidades federativas no Congresso, segundo o professor André Roberto
Martin, do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da USP.
A Câmara dos Deputados analisa há 15 anos projetos que propõem a criação de
novos Estados no País, mas no mês passado a Frente Parlamentar de Redivisão
Territorial, que reúne mais de 80 deputados e senadores, decidiu apressar o
processo e pressiona o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, para a
apreciação de pelo menos 10 projetos. Se forem aprovados pelo Legislativo, os
projetos serão levados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a realização
de plebiscitos a fim de que os moradores dos Estados envolvidos decidam a
respeito da divisão.
Alguns dos projetos mais cotados são o de criação do território do Marajó,
no atual Estado do Pará, além de 11 novos Estados. O Mato Grosso seria
desmembrado nos Estados de Aripuanã e Araguaia. No Pará, apareceriam os
Estados de Xingu, Tapajós e Carajás. O Amazonas seria desmembrado em cinco
Estados: Rio Negro, Solimões, Uirapuru, Madeira e Juruá. Em termos de mobilização
popular, os mais adiantados são os Estados
do Maranhão do Sul (MA) e do Estado do Tapajós, no oeste do Pará, que já
possuem mapas determinados, bandeira, brasão e hino.
Há também projetos para criação dos territórios do Alto Rio Negro (AM) e
dos Estados de Oiapoque (AP), Rio São Francisco (BA) e Gurguéia (PI). O
Sudeste ganharia os Estados de São Paulo do Leste (SP), Minas do Norte (MG) e
Triângulo (MG), além da recriação do Estado da Guanabara (RJ). O
Centro-Oeste poderia ganhar ainda o Mato Grosso do Norte (MT) e o Estado do
Planalto Central (DF)
Oportunismo
Segundo o professor, a pressão pelos novos Estados pode estar ligada a um
oportunismo do “baixo clero” do Legislativo, na esteira da derrota do
Planalto na eleição da presidência da Câmara. “É estranho que esta pressão
surja neste momento. Há todo um discurso oficial do governo que mostra o aperto
fiscal do país, o compromisso com os credores e a determinação em conseguir
um superávit primário. Estes projetos que representam gastos quase incalculáveis
contrariam este discurso”, diz Martin.
De fato, o dinheiro que sairá dos cofres públicos tende a ser incalculável.
Segundo Martin, cada novo Estado precisará da implantação da estrutura física
de um palácio do Governo, de uma Assembléia Legislativa e de várias unidades
do Judiciário Estadual, como Tribunais de Contas e Tribunais Eleitorais.
“Cada edifício destes precisará de infra-estrutura que inclui eventualmente
novas instalações hidráulicas, elétricas, telefônicas, redes de
computadores, cozinhas, depósitos e tudo mais”, diz.
Os novos governos Estaduais, além disso, terão suas secretarias, cada uma com
um quadro de funcionários a serem concursados e contratados – boa parte de
cargos de confiança. Serão criados cargos de deputados Estaduais, cada qual
com seus assessores e secretários. O novo Estado também elegerá deputados
Federais, cada um deles com seus assessores, seu escritório na nova capital a
ser construída, com seus gabinetes e assessores em Brasília, com o trânsito aéreo
semanal para sua cidade de origem.
“É claro que nem todos os projetos são inviáveis. É possível que em
alguns locais seja possível reunir força política suficiente para viabilizar
os projetos. Mas a maioria dos casos é simplesmente inviável. Os interessados
argumentam que os novos Estados trariam desenvolvimento às localidades, mas estão
evidentemente interessados em estabelecer seu poder regional de forma mais
independente. No limite, trata-se de uma reedição do sistema de Capitanias
Hereditárias”, afirma o pesquisador, cuja dissertação de mestrado foi um
estudo sobre a criação do Estado do Tocantins.
Prosperidade com dinheiro Federal
O especialista diz que os militantes pela criação de novos Estados acenam com
o sucesso do desmembramento do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, em 1977, e do
Goiás e Tocantins logo após a promulgação da Constituição de 1988. O
Tocantins, por exemplo, registrou desde 1990 uma média anual de crescimento do
PIB de 7,82% - três vezes a média brasileira. “Eles indicam sempre os números
positivos para mostrar que a divisão induziu ao desenvolvimento. Mas não fazem
os cálculos dos prejuízos para a União”, diz Martin. Segundo a Secretaria
do Tesouro Nacional, a União gastou R$ 1,1 bilhão com a criação do Tocantins
e mais de R$ 800 milhões no caso do Mato Grosso do Sul.
Os gastos iniciais da redivisão, no entanto, perenizam-se, segundo o professor,
porque a maioria deles não têm condições de gerar receita para sobreviver
sem recursos da União. Além de ter gerado cinco novos Estados, a Constituição
de 1988 gerou mais de dois mil municípios nestas condições. “A construção
da capital do Tocantins, Palmas, por exemplo, ficou pendurada nas contas do
Tesouro Nacional – cerca de US$ 800 milhões”.
Segundo Martin, o Governo Federal acabou arcando também com o sistema
educacional e de saúde. “Além disso, há centralização de poder dos mandatários
locais, multiplicação de empregos públicos e piora de distribuição dos
recursos no âmbito nacional. Eles provavelmente já pensam em fazer inclusive
acordos internacionais em que o avalista seria o Governo Federal”, diz.
Martin alerta que esta particularização dos interesses pode ter conseqüências
ambientais trágicas nas regiões de preservação floresta, onde estão vários
dos projetos de novos Estados. O professor afirma que, com a criação dos
Estados do Tocantins, Roraima, Rondônia, Acre e Mato Grosso do Sul, houve uma
corrida “desenvolvimentista” para dentro da Amazônia, criando frentes
pioneiras de desmatamento. O modelo extensivo que os novos Estados tendem a
implantar também acarretaria problemas ambientais. “Esse modelo não é da
intensificação do uso do solo, com mais tecnologia e um trabalho mais
cuidadoso. É um modelo extensivo, com baixo valor agregado e depredação dos
recursos naturais”.
Distorção no parlamento
Para Martin, os novos Estados acabarão sendo criados em torno de arranjos políticos
das elites locais, que na verdade estariam interessadas em obter o controle dos
próprios recursos e transformar o poder econômico em poder político. “Os
projetos não levam em conta o planejamento nacional. Vêem apenas o interesse
de uma elite local, desprezando a relação dos Estados com a região. Tudo é
feito num conchavo inter-elites. Na região amazônica, isso será um assalto ao
que resta de reserva florestal e de recursos”, diz.
A criação de Estados como o do Xingu, que teria apenas cinco municípios e
pouco mais de 260 mil habitantes, ou do Território de Marajó, que não
passaria de 400 mil habitantes (tamanho de uma cidade como Diadema, na Grande São
Paulo), iriam, na opinião do especialista, agravar de forma irreversível as
distorções de representatividade no parlamento. “Antes de 1990, Goiás tinha
17 deputados Federais e a região de Tocantins apenas um. Com o desmembramento,
o Goiás manteve os 17 e o Tocantins passou a ter mais oito. Esta distorção
seria reproduzida exponencialmente com a redivisão do território”, afirma.
A Constituição estabelece que cada estado tem direito a, no mínimo, oito
deputados Federais e três senadores. Em São Paulo, por exemplo, existe um
deputado federal para cada 570 mil habitantes, proporção cerca de 12 vezes
maior que a de Roraima. “Hoje o desequilíbrio já é extremo – isso levaria
a uma situação gravíssima, sem chance de recuperação. Se não há critérios
demográficos, não há critérios democráticos”, dispara.
Apesar da determinação da Frente Parlamentar para a criação dos novos
Estados, Martin indica que os projetos não sairão tão facilmente do papel.
Segundo ele, a Constituição determina que haja plebiscito entre a população
envolvida no desmembramento, o que seria uma experiência inédita num país de
longa tradição autoritária. “E os deputados parecem não conhecer muito bem
as regras. Pensam que é preciso apenas ter os votos de 51% da população do
Estado original, mas também é preciso ter 75% de aprovação dos habitantes do
novo Estado, o que dificulta bastante o processo”, diz.
Veja abaixo a relação dos projetos de criação de novos Estados e territórios
em trâmite na Câmara. Dividido por região:
Região Norte
Estado do Tapajós - Divide o Pará, de acordo com o Projeto de Decreto
Legislativo 731/2000, do senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR), que incorporou o
ADL 1/1990 da Comissão Mista do Congresso e PDCs 585/2000, do deputado João
Herrmann (PPS-SP), 120/1991, do deputado Hilário Coimbra (PTB-PA)
Território de Solimões - Divide o Amazonas, de acordo com o PDC
725/2000, do senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR), que tramita em conjunto com
o PDC 584/2000, que cria o território federal do Solimões
Território de Rio Negro - Divide o Amazonas, de acordo com o PDC
725/2000, do senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR), que tramita em conjunto com
o PDC 495/2000, do deputado Eduardo Jorge (PT-SP)
Território de Juruá - Divide o Amazonas, de acordo com o PDC 725/2000,
do senador Mozarildo Cavalcanti (PPS-RR), que tramita em conjunto com o PDC
495/2000, do deputado Eduardo Jorge (PT-SP), que cria o território federal do
Alto Rio Negro, e o PDC 584/2000, que cria o território federal do Solimões
Território do Oiapoque - Se limita ao município do Oiapoque, hoje
pertencente ao Amapá, de acordo com o PDC 1097/2001, do senador Sebastião
Rocha (PDT-AP).
Estado do Carajás - Divide o Pará, de acordo com o PDC 159/1992, do
deputado Giovanni Queiroz
Território de Marajó - Separa a Ilha do Marajó, transformando-a em
território, de acordo com a PDC 2419/2002, do deputado Benedito Dias (PP-AP)
Estado do Maranhão do Sul - Divide o estado do Maranhão, de acordo com
o PDC 947/2001, do deputado Sebastião Madeira (PSDB-MA)
Região Centro-Oeste
Estado de Mato Grosso do Norte - Divide o Mato Grosso, de acordo com
substitutivo do PDC 850/2001.
Território do Araguaia - Divide o Mato Grosso, de acordo com o
substitutivo do PDC 850/2001. Foram anexados a ele os projetos 49/2003 e
495/2003, que propõem a criação do estado do Mato Grosso do Norte
Estado do Planalto Central - Convoca plebiscito em Minas e Goiás, de
onde serão desmembrados municípios para a criação do novo estado, de acordo
com o Projeto de Decreto Legislativo do ex-senador Francisco Escórcio (PMDB-MA)
Território do Pantanal - Divide os estados do Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul, de acordo com o PDC 1027/2003, do deputado Fernando Gabeira (sem
partido-RJ)
Região Nordeste
Estado do Rio São Francisco - Divide a Bahia, de acordo com o PDC 631/1998,
do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE)
Estado do Gurguéia - Divide o Piauí, de acordo com o PDC 439/1994, do
deputado Paes Landim (PFL-PI)
Região Sudeste
Estado Minas do Norte - Divide Minas, desmembrando cidades do Norte e dos
vales do Jequitinhonha e Mucurí, de acordo com o PDC 2095/2002, do deputado
Romeu Queiroz (PTB-MG)
Estado de São Paulo do Leste - Divide São Paulo, de acordo com o PDC
1693/2002, do deputado Bispo Wanderval (PL-SP)
Estado da Guanabara - Divide o Rio de Janeiro, a exemplo do que aconteceu
no passado, de acordo com o PDC 295/2003, dos deputados José Divino (PMDB-RJ) e
André Luiz (PMDB-RJ).
Veja
como poderia ficar o mapa do Brasil